“Ao
início não me apercebi de quem era, e quando acordei ela ainda estava no meu
quarto a arrumá-lo. Levanto-me com grande dificuldade e após esfregar os olhos
vejo que ela sorri para mim e com a sua voz suave diz:
-Bom dia, dorminhoca… já te sentes melhor?
Eu não queria acreditar nos meus próprios
olhos, era ela, a Louise. Oque estava ela a fazer aqui? Como é que conseguiu
voltar novamente a Londres? Senti um enorme alívio dentro de mim, apesar de
sentir a minha cabeça pesada. Lu trouxe-me um pequeno-almoço fantástico e
sentou-se a meu lado na cama olhando para mim com um misto de emoções. Consegui
pressentir que me olhava com ternura por me voltar a ver, mas ao mesmo tempo o seu
olhar era tão fatal como o de uma predadora a olhar para a sua presa. Sabia que
ela me queria matar, ou pelo menos, dar-me um enorme sermão! Bem o merecia, e
assim o fez.”
Louise e Elena conversaram durante
horas. Louise nunca disse uma palavra deixando sempre que Elena falasse, queria
saber tudo, queria entender a razão pela qual a sua melhor amiga estava agora
neste estado lastimável.
“Louise, as coisas mudaram muito
desde que te foste embora. Não aguentei a pressão do curso, não aguentei o
facto de não te ter junto a mim todos os dias, não suportei a ideia de estar
sozinha, e cada vez que aqueles abutres com desejo de subir de estatuto social se
aproximavam de mim, apenas desejava que eles morressem ou que eu morresse ali
mesmo. Não aguentei. Desisti. Eu sei, fiz mal, mas desisti, não suportei mais a
ideia de ir as aulas todos os dias, não quis mais saber dos meus sonhos. Fechei-me
em casa e durante uma semana não saí, pareceu-me quase um ano. Quando ganhei
forças nas pernas, consegui sair, mas apenas tinha na cabeça a ideia de me
suicidar. Eu queria, eu sentia que era o mais certo, sentia mesmo que já não
valia a pena viver mais neste mundo. Quando estava prestes a fazê-lo, ouvi uma
voz, a tua voz, tenho quase a certeza que eras tu, que me dizias “não!”, e por
isso recuei, recuei mas não agi melhor a partir daí. As coisas simplesmente pioraram.
Nessa mesma noite resolvi sair, fui a todos os bares e discotecas, produzi-me
ao máximo e falei com todo o tipo de pessoas. E Louise, foi nesta noite que eu
comecei a cometer o maior erro da minha vida. Vi um grupo de jovens, talvez um
pouco mais velhos que eu a fumar algo que pessoalmente não conhecia o cheiro
era intenso e inicialmente fazia-me imensas dores de cabeça… Para eles era um
charro normal, para mim só me custou fumar o primeiro, porque os seguintes eram
feitos a brincar. Ria-me imenso com eles, pelas razões mais disparatadas. Passámos
a ver-nos todas as noites num beco aqui perto, sempre com o mesmo intuito,
quanto mais fumava, mais queria fumar… Experimentei de tudo um pouco. E quando
cheguei ao final do ano, comecei a snifar coca. Era uma sensação que me deixava
completamente fora deste mundo, visto que não conseguia sair dele pela maneira
que pensava ser mais fácil, optei por esta, e agora não consigo sair dela… Mas
sentia-me tão bem, o problema é que já só me sentia bem com aquilo. No início
deste ano, o mesmo grupo da noite deu-me a experimentar Ecstasy, e foi uma
sensação que nunca irei esquecer, demorou cerca de 20 a 30 minutos a fazer
efeito, foi o tempo de chegar-mos á “Disco” e começarmos a dançar. Posto isto,
nunca mais me quis divertir sem ser com aquele efeito em mim, nunca mais quis
saber do mundo real em que vivia, apenas queria consumir, divertir e ficar
feliz. Mas estou tão errada, e é agora, com esta ressaca que sinto os erros
cometidos, é agora ao ver-te que entendo pela expressão na tua face que deveria
ter escolhido outro caminho. Desculpa, Louise.”
A amiga apenas esboçou um sorriso e
abraçou-a com muita força e disse-lhe:
-Entendo o que sentes, sei que não é fácil, mas esperava que tivesses sido um
pouco mais forte. Não o foste, mas não há problema, porque eu vou estar aqui
durante uns tempos para te ver erguer. Vamos dar-te uma nova vida, vou fazer-te
ver que há mais do que isto. No entanto, sabes que os próximos meses irão ser difíceis.
Vais ter de deixar os vícios, vais ter de arranjar um emprego, mudar de estilo
de roupa, mudar o corte de cabelo. Vamos a uma clínica e vais ser tratada como
deve de ser. Voltarei para Paris, mas assim que o tratamento acabar estarei
aqui para te ver… promete-me que não voltarás a fazer um disparate destes! Porque
se o voltares a fazer, eu não saberei como reagir!
Elena apenas abanava afirmativamente
e olhava para os lençóis, olhou para a cara da amiga e questionou-se a si própria
como seria possível ela estar ali, e como poderia ela entender toda esta
situação. “Não hesitei e tive de perguntar:
-Lu, como vieste novamente a Londres?
-Os meus pais ganharam um prémio monetário razoavelmente alto num concurso, deu
para pagar as despesas de avião até cá.
-Porque vieste?
-Tive um pressentimento que não estavas bem… Cheguei ontem e passei no café, mas
o dono disse-me que desde há muito que não passavas por lá.
-Sim é verdade, deixei completamente de ir lá. Mas disseste que entendias a
minha situação, como assim entendes? Também já consumiste.
-Não, mas o meu “ex” consumia. Foram tempos terríveis. Ele nunca me deixou ajudá-lo.
Por isso quero ajudar-te, não vou aguentar ver outra pessoa de quem gosto a
magoar-se por causa das malditas drogas. Por isso Lenny, deixa-me ajudar-te.
Olhei-a fixamente, estava prestes a
chorar. Só me lembrei de responder, “sim”. Nada mais dissemos uma à outra.
Tomei o pequeno-almoço e ela não
saiu do meu lado, quando acabei ela levantou o tabuleiro, eu olhei em volta e
perguntei-lhe: “o que me fizeram ontem Lu? Como vim aqui parar, quase nua, que
manchas são estas no meu colchão? Parece sangue, alguém se magoou?” Ela não se
virou para mim, apenas disse: “arranja-te e vamos falar sobre o que aconteceu
ontem, com mais calma.” Senti o tom da sua voz a tremer, assim como estava o
meu corpo a pedir por mais uma dose de adrenalina, de alucinações. Foram as
piores sensações da minha vida. Dependência e desilusão. O meu mundo não poderia
ser mais imperfeito. Mesmo assim, a minha luz tinha voltado, e iria ajudar.me,
iria guiar-me no meu caminho.”
Apesar do esforço que fez, Elena
acordava agora com a luz do sol a bater na cara, e com o sorriso iluminado de
Louise no seu pensamento. Mesmo com a sensação de dependência estava tudo a
correr pelo melhor… por agora.
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